terça-feira, 18 de agosto de 2009

A criatividade da crise


Em especial para os meus amigos desempregados…

Alguns dos jornais ingleses, sul-africanos e americanos criaram uma espécie de secção exclusivamente dedicada à recessão económica mundial. A leitura acaba por tornar-se deprimente e enfadonha com as inúmeras notícias de despedimentos, empresas que fecham, bolsas em estado caótico com descidas abruptas e fotografias de tipos com uma expressão de desespero estampada no jornal, casas que incrivelmente se vendem ao preço de um quilo de laranjas, o contínuo aumento do preço do petróleo, a desvalorização do euro,da libra e do dólar e de todas as moedas com nomes que reconhecemos.

Os temas tornam-se tão repetitivos e monótonos, que a única coisa que me salta à vista, são as histórias em que o ser humano, no meio do caos, parte à aventura em busca de inspiração ou simplesmente decide fazer aquilo que sempre sonhou, mas que nunca teve tempo para fazer. Por vezes, nem sequer teve tempo para descobrir o que seria aquilo que de facto gosta porque, durante anos a fio, esteve demasiado ocupado a preencher o seu tempo a trabalhar para uma empresa, a atingir objectivos e aos fins-de-semana, preso em obrigações e deveres familiares.

Talvez por não ter um emprego nesta fase da minha vida, identifico-me com todas estas pessoas que souberam extrair o melhor que as crises têm: a luta pela sobrevivência, a valorização daquilo que tínhamos e já não temos e, acima de tudo, encontrar e estimular a criatividade que as crises proporcionam.

Qualquer situação de mudança repentina na nossa vida dá-nos a volta à cabeça, obriga-nos a repensar muita coisa. Quando o mundo parece que se vai desabar mesmo debaixo dos nossos pés, e que vamos perder tudo, o ser humano consegue ter esta invejável capacidade de conseguir levantar-se e seguir em frente. Fascinam-me todas estas histórias de heróis aventureiros, que se reencontram e encontram a harmonia no meio do caos.

Não é de estranhar que, grande parte dos cientistas que fazem investigação nos grandes laboratórios americanos sejam provenientes de países pobres, como a Índia ou países de leste, onde os recursos, por vezes, são tão escassos que, a única forma de trabalhar é ser criativo e inventar tudo o que seja possível. No meio deste aparente vazio pode surgir surpreendentemente uma descoberta fantástica!
Porque é que eu adoro o artesanato cubano e africano? Porque acho surpreendente a forma criativa como a partir do lixo se consegue construir uma obra de arte, um objecto decorativo, uma peça prática ou até um brinquedo engraçado.

Tenho alguns amigos que vivem em Portugal e no estrangeiro que de um momento para o outro perderam o emprego. Alguns estão a atravessar momentos difíceis. Uns têm filhos pequenos, casas e carros para pagar, ou têm 50 e tal anos e receiam que ninguém os volte a empregar. Sentem-se perdidos e não vêem uma réstia de esperança na linha do horizonte. É especialmente a eles que dedico esta crónica.

As coisas boas não aparecem se não nos esforçarmos para estar bem e há milhares de coisas que podemos fazer, mesmo quando o mundo à nossa volta parece estar a desabar. Se não fizermos isso, garanto-vos que damos em doidos ou ficamos bem deprimidos! Nesta fase da minha vida, em que apenas tenho o Tiago e o João e tudo aquilo que está disponível à minha volta, identifico-me com as histórias de todos os desempregados que aparecem nos jornais e que conseguiram vencer as adversidades, e aprender a viver sem deadlines e sem uma rotina rígida, encontrando a harmonia , saboreando a vida e a calma (por vezes na vida stressante que a maioria de nós leva, esquecemos que ela existe) e extraindo a criatividade que a crise nos proporciona.

Leio histórias de pessoas que nunca pegaram num livro e que depois de descobrirem a leitura, ficaram viciados. Outros que pela primeira vez na vida, tiveram tempo e paciência para levar o filho a um museu ou ao jardim zoológico e outros que começaram a cozinhar ou decidiram fazer um curso de bricolage, ou de dança , como é o meu caso.

A todos os meus queridos amigos, que estão a passar por esta situação, aproveitem para saborear o tempo livre para pensar naquilo que querem mesmo fazer. Talvez, em breve voltem a trabalhar novamente num ambiente com stress e deadlines e sintam faltam desta pequena pausa que a vida vos proporcionou.

Sei bem que o início é duro, e que apesar de toda a gente nos dizer “Que sorte pá! Agora é que tens uma vida do caraças!” , a verdade é que não nos sentimos assim tão bem, e a vida parece tudo menos estimulante.

Temos saudades da nossa rotina, do nosso emprego, dos nossos colegas, e de ter uma profissão, uma ocupação….E nessa altura, passávamos a vida a queixar-nos! E agora, faz-nos tanta falta!Quantas vezes estou em casa a tratar do Tiago e a arrumar e a desarrumar coisas e penso em como era mais fácil estar a trabalhar num escritório. Mas quando estava a trabalhar na TAP, não era isso que eu sentia.

As preocupações lançam um nevoeiro espesso que nos impede de pensar claramente e de relaxar. Mas depois da fase da desintoxicação de um corpo habituado à adrenalina do trabalho e das obrigações, começamos a conseguir criar uma nova rotina e a cabeça vai ficando cada vez mais leve e livre, com espaço para pensar naquilo que queremos fazer e começamos a saborear o tempo livre.

Aprendemos a apreciar o que temos e vimos, que afinal, não era assim tão pouco ou tão mau como nos parecia no início. Sei que para muitos isto parecerá uma descrição bastante romântica e simplista, mas sei que outros sabem bem daquilo que estou a falar. Quanto ao que eu tenho feito para encontrar essa satisfação e extrair a criatividade da crise, guardo para uma próxima história.

Um beijo a todos com saudades
Madalena

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