segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Os meus alunos


Falei-vos dos meus colegas mas ainda não vos contei nada sobre os meus alunos e da minha experiência como professora.

Ora bem, no meu curso de inglês, além das doses monumentais de gramática que tenho de estudar e dos trabalhos de casa, tenho de dar aulas a um grupo de refugiados políticos do Congo, que estão ao abrigo de um programa de apoio de refugiados da Universidade Wits.

Os pobres coitados vêm para a universidade todos os sábados de manhã, para terem aulas de inglês com aspirantes a professores, como eu, que estão a aprender a ensinar.

Como o meu apelido é Augusto e começa por A, fui logo a primeira da lista da minha turma a dar a primeira aula. Respirei fundo e pensei “Não há-de ser nada. Já fiz coisas bem piores”.

Entrei na sala de aulas, olhei para a cara dos meus novos alunos, cumprimentei-os e escrevi o meu nome no quadro. Claro que nenhum estrangeiro consegue pronunciar o meu nome e nem vos vou dizer quais são os nomes dos meus alunos congoleses, porque não faço a mínima ideia como se escrevem ou pronunciam, a não ser alguns que são franceses. A primeira regra que nos ensinaram nas aulas foi: “Só podem falar em inglês.” Por isso, não tinha sequer hipótese de lhes tentar explicar o que quer que fosse em francês.

Na última fila, ficaram sentados os meus outros colegas da turma e os professores, que durante 40 minutos, observaram a minha performance enquanto tiravam notas.

Olhei para os olhos enormes da rapariga vestida com trajes africanos sentada na fila da frente. Parecia totalmente perdida. Será que estava a perceber aquilo que eu estava para ali a explicar?

Achei que era melhor não olhar muito para ela porque estava a ter aquele nervoso miudinho, que era frequente nos tempos em que tinha de fazer directos para a Sic-Notícias. Mas isso já foi há tanto tempo! Com a idade parece que é cada vez mais difícil sermos posto à prova. Já bastaram os anos de humilhações nos estágios, as constantes readaptações a novos empregos, que nos obrigam a ter de recomeçar tudo de novo e mexem com as nossas inseguranças e fragilidades.

Lembro-me de acabar um dos meus primeiros directos em televisão com uma vontade enorme de chorar. Fechei-me na casa de banho e chorei baba e ranho. Tinha a sensação de ter dito as maiores barbaridades no ar para milhares de espectadores ou talvez milhões. Enquanto falava o meu olho tremia, a voz falhava, porque sentia um nó no pescoço, os músculos da cara estavam presos numa única expressão facial.

Sim, era a expressão de pânico. Sentia dores de barriga e quase não conseguia articular uma frase em português. Apesar dos meus desastrosos directos na televisão, que felizmente para mim e para os telespectadores já lá vão... esses tempos foram fundamentais em termos de crescimento e de aprendizagem, e anos depois percebo como me prepararam para tantas outras etapas que foram aparecendo na minha vida.

Os 40 minutos voaram e com a ajuda de várias fotos do Ronaldo, do Barack Obama, da Oprah, do Michael Jackson e do Brad Pritt que estrategicamente foram colocadas nas paredes da sala de aula, os meus alunos divertiram-se, fizeram um jogo, aprenderam novas palavras e já sabem distinguir a diferença entre as acções futuras “I am going to do something this weekend” e “I will do something this weekend”.

Tive uma boa avaliação na minha primeira aula e os fins-de-semana que se seguiram foram enriquecedores e muito divertidos.
Os meus alunos são todos quadros superiores, a maioria são médicos, enfermeiros, engenheiros e advogados. Falam inglês, são muito curiosos e muito religiosos.

Na primeira aula pedi-lhes para me dizerem o que mais gostavam na África do sul. O Michel, fisioterapeuta, respondeu-me que o que mais gostava eram as estradas sem buracos, mas a maioria gosta mesmo é da comida e da variedade de produtos no que encontra nos supermercados.

Um dia pedi-lhes que me falassem do seu objecto preferido e disse-lhes que se o tivessem ali para me mostrarem. Um deles respondeu-me que o seu objecto preferido era o dinheiro, porque com isso podia fazer tudo o que lhe apetecesse.

Confesso que nunca pensei que as aulas requeressem tanta preparação e passei a ter um respeito pela classe de professores, em especial pela minha tia Noélia, professora de geografia. É claro que eu e os meus colegas estamos ser avaliados e tentamos levar para a aula todo o tipo de ferramentas, materiais e jogos para termos uma boa avaliação e para que os alunos não percam a atenção por um único momento. O objectivo é ensinar mas tornar as aulas divertidas e cheias de ritmo e fazer com que os alunos comuniquem.

Tento ignorar os Professoes sentados ao fundo da sala que controlam todos os meus movimentos, tudo aquilo que digo e escrevo no quadro, até a cor do giz que uso, a forma como sublinho uma sílaba, como pronuncio uma palavra, como me aproximo dos alunos, os materiais visuais que utilizo, a mímica, os exercícios que entrego aos alunos, a estrutura da lição, a gestão da turma e do tempo de aula, o contacto visual que estabeleço com os alunos, a forma como dou instruções e como consigo quebrar a tensão e pô-los a comunicar. Tudo é avaliado até ao mais ínfimo pormenor.

Não tinha ideia que fosse assim. É preciso mesmo gostar de ensinar para investir tanto tempo e trabalho na preparação das aulas para conseguir criar uma atmosfera agradável e relaxante. Tenho a sorte de os meus alunos se terem identificado comigo e, neste caso, até acabou por ajudar o facto de ser estrangeira. Encontrei uma das minhas alunas na casa de banho que me disse: “Acha que um dia vou conseguir falar tão bem inglês como a Professora?”. "É claro que sim", respondi.
A partir deste momento, percebi que tinha ali uns fiéis aliados.

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