quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Férias em Durban



Queridos amigos,

Depois de umas férias em Durban com a família estamos de regresso a Joburg e quase de partida para Portugal onde vamos passar o natal. Obrigada pelas vossas mensagens de aniversário.

Na semana passada ficámos a saber que Portugal vai jogar com a Costa Do Marfim, em Port Elizabeth, no dia 15 de Junho (16H00); com a Coreia no dia 20 de Junho, na Cidade do Cabo (13H30)e com o Brasil, em Durban, no dia 25 de Junho (16H00). Todas estas cidades são óptimas para fazer turismo e têm a vantagem de estarem perto do mar e de se poder comer um bom peixinho à beira-mar e beber um bom vinho sul-africano.

A final vai ser em Joburg e, ao contrário da maioria dos Portugueses, eu sou uma pessoa bastante optimista e tenho fé que a nossa equipa chegue à final. Além das minhas crónicas sobre Joburg (Joanesburgo), nos próximos meses vou escrever-vos sobre as cidades onde Portugal vai jogar para poderem ir guardando alguma informação na vossa agenda de 2010.

Aproveito para vos desejar a todos um óptimo natal e um excelente 2010. Espero ver-vos em Portugal.

Um grande abraço

Madalena

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Portugal a caminho da África do sul...o prometido é devido






Meus amigos,

Faltam poucos dias para sabermos quem vai jogar contra quem na África do sul e possivelmente em que cidades e estádios vão jogar todas as selecções. Eu não queria deixar de cumprir a promessa que fiz a muitos de vocês que querem vir à África do Sul assistir aos jogos do Mundial.

Por isso, tal como prometido vou passar a publicar no meu blog sugestões de sítios que devem visitar em Joanesburgo, Cidade do Cabo e Durban e deixar-vos algumas recomendações de segurança, que fui aprendendo, ao longo de quase um ano a viver aqui.

A ideia é dar-vos dicas e sugestões de sítios para beberem, por exemplo um bom café expresso (que não é definitivamente a especialidade dos sul-africanos), bons restaurantes, bares, bairros simpáticos, parques naturais, museus e espectáculos que não devem perder. E ainda sugerir-vos sites que vos podem dar algumas orientações.

Antes de vos apresentar as minhas sugestões, vou fazer-vos uma pequena apresentação de Joanesburgo, mais conhecida por Joburg ou Jozi, como carinhosamente os sul-africanos lhe chamam.

Estima-se que em todo mundo, 3 biliões de pessoas assistam aos jogos do campeonato mundial que, pela primeira vez na história, vai ter lugar no continente africano. Como devem calcular vive-se uma grande excitação no país, os sul-africanos sentem uma enorme responsabilidade e estão a esforçar-se para dar o seu melhor. Há centenas de voluntários em Joanesburgo a limparem a cidade, a aprenderem as línguas oficiais do mundial para poderem comunicar com os turistas.

A caótica rede de transportes públicos está a ser melhorada, hotéis, guesthouses e Bed and Breakfasts estão a nascer por todo o lado, e para combater o crime e proteger os turistas o governo sul-africano mandou instalar dezenas de câmaras de vigilância no centro da cidade.

Faltam 191 dias para arrancar o mundial e como já seria de esperar, há muita coisa atrasada. 16 dos 64 jogos e a final do campeonato vão ter lugar em Joanesburgo e a segurança dos jogadores e dos milhares de turistas que se espera que visitem a cidade, são uma das prioridades e preocupações do governo do Presidente Zuma, que quer a todo o custo melhorar a imagem internacional de Joanesburgo, considerada ainda hoje uma das cidades mais perigosas do mundo.

Centenas de polícias e seguranças privados estão a ser treinados para garantir a segurança dos milhões de turistas que se prevê que visitem o país. As empresas de segurança privadas, poderosíssimas num país com um elevado índice de criminalidade, preparam-se para fazer verdadeiras fortunas na altura do mundial, principalmente as que vão ter de garantir a segurança dos jogadores e das suas famílias.

Um amigo meu que esteve há uns meses de passagem em Joanesburgo dizia-me que tinha passado de táxi no centro da cidade e que não teve vontade de sair do carro. Pois bem, a sensação que se tem é mesmo essa: fugir dali o mais rapidamente porque o centro da cidade inspira-nos tudo menos segurança.

Estranhamente ou talvez não, quase não se vêem brancos no centro da cidade. Durante o regime do apartheid os negros tinham passes que eram controlados pela polícia do regime e não podiam circular no centro da cidade, onde apenas viviam e trabalhavam brancos. Depois das primeiras eleições democráticas em 1994, os negros tomaram conta do centro da cidade, centenas de refugiados instalaram-se em prédios abandonados e os brancos fugiram para o estrangeiro ou para os subúrbios a norte da cidade, onde nós moramos.

É claro que durante o mundial, o ambiente da cidade deverá ser bastante diferente do actual, mas isto serve apenas para vos dizer que, ao longo dos últimos anos foram florescendo vários bairros periféricos que vos vou apresentar nos próximos meses, que têm vida própria, lojas, bares, restaurantes e que merecem ser visitados.

Não é fácil circular nesta cidade que goza do estatuto de capital financeira de todo o continente africano. É muito extensa, fica num planalto, a mais de 1700 metros de altitude. Lembrem-se que na altura do mundial será inverno aqui e é normal que se sintam bastante cansados nos primeiros dias por causa da altitude.
O inverno é bastante diferente do nosso. É muito seco, faz sol durante o dia e nunca chove, mas as temperaturas variam entre os 2 graus negativos e os 18 graus num único dia. Descem abruptamente à noite até de madrugada e, de manhã o termómetro começa a subir. Por isso preparem alguns polares e casacos quentinhos na vossa mala de viagem.
Os dias são em geral muito agradáveis, ao estilo do nosso verão de São Martinho, com um céu sempre muito azul e sol. A cidade é uma espécie de pulmão verde e vêem-se árvores e flores por todo o lado.

O skyline de Joburg faz lembrar o de Nova Iorque e não é por acaso que lhe chamam a cidade gémea em África. Além dos arranha-céus e do ritmo frenético da cidade ser semelhante aos de Nova Iorque, há muitas outras coisas que fazem lembrar a big apple.

Quem conhece Nova Iorque, para além do roteiro turístico, sabe que a cultura da cidade é muito diversificada e que, tal como os nova-iorquinos gostam de dizer “in New York, each block makes a difference”. E essa diferença vê-se claramente, apesar da fachada de tolerância e de mistura racial que a cidade ostenta e que serve como imagem de marca da cultura de uma das grandes metrópoles do mundo.

São estes extremos e estes mini habitats sociais que me atraem numa cidade e que dão espaço ao florescimento de culturas extremamente ricas e diversificadas. “Joburg has the same vibe” porque tem essa manta de retalhos muito definida, mas infelizmente essa cultura é muito menos misturada do que em NYC. Aqui cada pessoa tem de perceber onde é o seu lugar e devido à criminalidade torna-se difícil explorar muitos desses habitats sociais e culturais.

Queria só dizer-vos que a sensação de irmos parar de repente a um sítio onde não há pessoas da nossa raça é estranha. À nossa volta notam que somos estrangeiros e nem sempre é uma sensação confortável porque nos sentimos inseguros.

Se pensarem em alugar um carro quando visitarem a cidade, é muito provável que isso vos aconteça com frequência. A mim está-me sempre a acontecer isso e já me vou habituando. A primeira vez que tive uma sensação semelhante foi quando nos mudámos para Nova Iorque em 2004, e vivemos durante quase dois meses no bairro de Harlem, perto do mítico “Apollo Theater”, na 125th Street.

A experiência foi muito interessante e enriquecedora, mas era uma sensação estranha ser a única pessoa branca na carruagem do metro de manhã quando ia trabalhar para a CBS no centro de Manhattan.
Às vezes, sentia que estava a viver dentro de um videoclip da MTv de hip hop, com tipos enormes negros à minha volta vestidos de rappers a dizer “Yo, yo” e a gesticularem freneticamente com as suas correntes douradas e mãos pejadas de anéis, encostados na esquina com um ar de quem não tem nada para fazer, mas está ali a fazer alguma coisa, mas não se sabe bem o quê.

Neste bairro a norte de Manhattan, não circulavam os característicos “yellow cabs” e quando precisávamos de apanhar um táxi, bastava-nos esticar o braço porque alguém parava o carro e negociava connosco o preço da viagem até downtown. Na época, vivíamos num apartamento simpático com 2 divisões e um jardim, que nem ousávamos utilizar, tal era a sensação de insegurança e a vontade de não atrair olhares curiosos. No nosso prédio viviam vários estrangeiros e alguns jornalistas e a nossa rua tinha vários prédios devolutos e entabuados. Um dia um polícia que patrulhava o bairro explicou-nos que estes prédios eram antigas casas onde se vendia craque.

Inicialmente, fascinava-nos a ideia de vivermos num bairro tão diferente da ideia que toda a gente tem e daquilo que conhecíamos de Nova Iorque, mas cedo percebemos que não pertencíamos ali e que, apesar de não nos sentirmos personas-non gratas, tínhamos de nos pirar dali o mais rapidamente possível.

Com o receio de apanharmos com uma bala no meio de um tiroteio de gangs mudámos-nos para um minúsculo apartamento em Upper West Side com dimensões muito mais reduzidas do que o solarengo apartamento de Harlem.

Conto-vos esta experiência porque ela ajudou-me a estar preparada para perceber o que é viver numa sociedade fragmentada, onde os brancos e negros coabitam, têm de conviver mas onde cada cultura tem o seu espaço e rituais próprios.

Em qualquer guia turístico de Joanesburgo que encontrem vão encontrar dezenas de recomendações sobre sítios a não visitar na cidade tal é o medo da criminalidade. Tal como vos tenho contado ao longo dos últimos meses, as histórias que se ouvem são arrepiantes e por isso, com toda a paranóia de segurança que também existe, nunca podemos descurar os hábitos de segurança que lentamente se vão incorporando nos nossos gestos.

Circular a pé no centro da cidade é perigoso mas existem vários bairros na periferia que têm muita animação e onde se circula na boa, sem qualquer stress.

A melhor coisa que o João me ofereceu quando vim para aqui viver foi a Jane, o meu GPS, que com a sua voz suave e pronúncia britânica inspirava-me inicialmente a maior tranquilidade e confiança durante as minhas aventuras de carro pela cidade a circular pela faixa esquerda e a conduzir ao volante à direita. O problema é que a Jane não sabe reconhecer os bairros que são perigosos na cidade e leva-me para todo o lado. Já me encontrei em sítios muito pouco recomendáveis para uma mulher branca e nem sempre foi fácil sair dali.

Para quem tenciona alugar um carro aqui, lembrem-se que o carjacking acontece com muita frequência e que vão mesmo precisar de um Gps. É muito fácil perderem-se e conduzir do outro lado da estrada faz alguma impressão nos primeiros dias. Mas claro que dá algum gozo fazer transgressões, entrar nas rotundas ao contrário e fazer ultrapassagens pela direita. Para circularem de táxi, recomendo a empresa SAFE CABS +27 86 166 55 66

A UEFA e as autoridades sul-africanas estão a planear ter autocarros para os turistas poderem circular pela cidade. Neste momento a rede de transportes públicos é um caos. Existem pequenas carrinhas combi, a que se dão o nome de táxis (atenção se quiserem apanhar um táxi, utilizem a palavra CAB e não táxi) que não são de todo recomendáveis. A única pessoa que conheço que usa estas combis é uma amiga minha portuguesa que, ao contrário de toda a agente que eu conheço, optou não comprar um carro em Joanesburgo. Talvez por já ter vivido na Nigéria, achou que não era perigoso andar nestas carrinhas suicidas, que são autênticas bombas ambulantes que podem rebentar a qualquer instante, tal é o mau estado de conservação.

Estamos a caminho de Durban onde vamos passar uma semana de férias mas antes de terminar, só vos queria dizer qual a melhor forma de chegarem a Joanesburgo.
É claro que vou ter de fazer publicidade à nossa TAP, porque é a única companhia que tem voos directos de Portugal para Joanesburgo. E com todos os defeitos que possam encontrar na TAP, é também a companhia que tem melhores refeições a bordo (basta ter viajado com outras companhias para perceber isso. Alguém sabe o que é comer bacalhau com natas e uma salada temperada com azeite galo depois de meses de abstinência de comida portuguesa?) e o novo serviço de bordo e os novos aviões trouxeram um enorme conforto e melhorias substanciais nos últimos anos.

A TAP planeia reforçar a sua operação para a África do Sul por causa do Mundial, mas por agora estes são os voos disponíveis:
Lisboa – Joanesburgo 3x por semana - 2ª-feira(saída 18:10/9:35 Joanesburgo), 3ªfeira (saída 18:05 com escala em Maputo/17:05 Joanesburgo) e 5ªfeira (saída 18:10/9:35 Joanesburgo)

Joanesburgo – Lisboa 3x por semana – 3ª feira (saída 11:05/19:40 Lisboa), 4ª feira(saída 08:10 com escala em Maputo) e 6ªfeira (11:05/19:40 Lisboa)
Para viajar para outras cidades africanas, há sempre a possibilidade de apanhar um voo da South African Airways, que é também membro da Star Alliance.

Um beijo a todos e até breve

Madalena

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

I MISS YOU TERRIBLY





Se há coisa que me custa mesmo muito são as despedidas.
Por muitas que já tenha vivido, não há maneira de me habituar.

Ao longo dos meus 33 anos de existência foram muitas as vezes em que tive de me despedir de pessoas, sítios, casas e objectos. Não há dúvida que a despedida que mais me custou foi há dois anos, quando tive de me despedir de vez do meu Pai. A verdade é que ainda não consigo conceber a ideia de viver num mundo físico onde ele já não está. À medida que o tempo passa sinto cada vez mais saudades e cada vez mais falta de o ter por perto. Talvez o processo de luto seja mesmo assim…lento e doloroso.

Nos últimos meses, voltei a passar por vários momentos de profunda melancolia com as dolorosas despedidas que inevitavelmente se cruzaram comigo. Além da partida para a África do Sul, que nos trouxe grande entusiasmo mas também nos deixou muito em baixo, surgiram outras nas últimas semanas. A minha irmã que é assistente de bordo da TAP e que nos vem visitar sempre que consegue um voo para Joanesburgo traz-me sempre uma lufada de alegria cada vez que a vou buscar ao hotel e a trago para nossa casa. Esses dias são vividos com imensa alegria. Estamos sempre na galhofa. Passeamos, conversamos, rimos, brincamos com o Tiago e os dias passam a correr. Depois chega a inevitável hora da partida e aí o caldo fica entornado. Começo a sofrer no dia anterior à despedida e no momento do abraço e dos beijinhos, o queixo começa a tremer e não consigo conter as lágrimas. Pareço uma verdadeira “Madalena arrependida” a chorar baba e ranho.

Os dias que se seguem são de uma intensa melancolia e por mais que me esforce não consigo arranjar maneira de ultrapassar esta sensação. O Tiago anda pela casa à procura da tia Didi e obriga-me a ver vezes sem conta os desenhos animados com piratas que ela lhe traz em português e a fazer os puzzles que ela lhe ofereceu até saber de cor o sítio onde encaixar as peças. Sentado na cadeirinha do carro, olha para o céu e pergunta-me se a tia Didi está no avião. As lágrimas voltam a escorrer pela minha cara e oiço a voz do Tiago: “Mamã, não chores!”. E eu fico ainda mais comovida por ver que o meu rapazinho já está tão crescido.


Na última visita da minha irmã, decidimos fazer um programa diferente. Além dos passeios ao parque dos leões, idas ao teatro e a museus, fomos fazer um curso de mosaicos e fizemos um painel com pedaços de azulejos, pedras e vidros ao nosso Pai e que podem ver na fotografia. Em Portugal, tínhamos o hábito de todos os meses fazer um programa que o nosso querido Pai gostasse, como ir ver um filme que ele gostasse de ver se estivesse vivo, ir visitar um sítio que ele gostasse. Desta vez decidimos fazer-lhe uma prenda personalizada que a Diana colocou no jazigo.

Depois da partida da Diana, vieram outras despedidas. Mudámos de casa porque não nos sentíamos seguros a viver naquela casa enorme junto a um riacho. Houve alguns incidentes de violência e assaltos na rua, que felizmente não nos afectaram directamente mas que nos deixaram ansiosos e com vontade de sair dali.

Apercebemos-nos que a nossa bela casa sem muros, que ficava ao pé do rio estava demasiado exposta e poderia ser um alvo apetecível para criminosos. Tivemos que nos render à arquitectura do medo, visível por toda a cidade. E agora vivemos numa mini-fortaleza, rodeada de muros muito altos, com uma rede eléctrica no topo. Contudo, estamos mais protegidos e a casa é muito simpática e luminosa. Tem um chão de madeira lindíssimo, uma lareira e um pequeno jardim cheio de flores que enchem o espaço de uma mistura de cheiros aromáticos absolutamente deliciosa.
Ao fundo do jardim temos uma pequena piscina de água salgada onde damos uns mergulhos de vez em quando, mas a primavera este ano ainda está bastante fria, o que segundo os locais não é habitual.

Ao longo dos últimos meses tenho conhecido pessoas formidáveis. É curioso como se conhecem pessoas tão facilmente quando estamos longe de casa. Parece que estamos mais predispostos para encontrar amigos porque estamos sozinhos e é como se houvesse uma espécie de atracção.

Conheci a Paula do Porto há uns meses e tive de me despedir dela há uma semana. Foi mais uma despedida dolorosa! Trabalhava na universidade como professora de Português e ainda chagámos a dar workshops de escrita criativa juntas aos alunos de Português da Universidade. Mal nos conhecemos tornámos-nos inseparáveis. Preparávamos aulas juntas, fazíamos jantares com comidinha portuguesa e passávamos horas à conversa. Era tão bom ter alguém com quem falar em Português e com referências culturais e interesses comuns aos meus.

Quando estamos longe de nossa casa e dos amigos, parece que compensamos a falta que sentimos dos amigos, dos namorados e da família e quase que tentamos substituir essa ausência com as amizades que fazemos no novo sítio. É como se de repente essa pessoa que tivemos a sorte de encontrar, passasse a assumir a pesada responsabilidade de substituir todos aqueles que nos são queridos e estão longe. Depois há aquele sentimento comum que partilhamos, aquela sensação de estar deslocado num sítio e os laços de amizade reforçam-se de uma maneira incrível.

A Paula decidiu não renovar o contrato com a Universidade, onde dá aulas de Português e regressar a Salamanca, onde o namorado David a espera ansiosamente de braços abertos. Estou muito feliz por ela mas a partida dela foi mais uma daquelas que me custou horrores. Claro que o tempo é sempre o melhor remédio nestas coisas e talvez não seja por acaso que nós Portugueses sofremos tanto com aquele sentimento genuinamente Português: a Saudade que nós sentimos de uma forma muito especial e sentimental.

Meus amigos não fiquem tristes por não vos escrever mais e-mails e por não vos ligar muitas vezes. Acreditem que este desprendimento é o que torna a minha vida mais fácil e não quer dizer que não estejam todos no meu coração. “I miss you all terribly e com muita saudade.”

beijos

Madalena

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Os meus alunos


Falei-vos dos meus colegas mas ainda não vos contei nada sobre os meus alunos e da minha experiência como professora.

Ora bem, no meu curso de inglês, além das doses monumentais de gramática que tenho de estudar e dos trabalhos de casa, tenho de dar aulas a um grupo de refugiados políticos do Congo, que estão ao abrigo de um programa de apoio de refugiados da Universidade Wits.

Os pobres coitados vêm para a universidade todos os sábados de manhã, para terem aulas de inglês com aspirantes a professores, como eu, que estão a aprender a ensinar.

Como o meu apelido é Augusto e começa por A, fui logo a primeira da lista da minha turma a dar a primeira aula. Respirei fundo e pensei “Não há-de ser nada. Já fiz coisas bem piores”.

Entrei na sala de aulas, olhei para a cara dos meus novos alunos, cumprimentei-os e escrevi o meu nome no quadro. Claro que nenhum estrangeiro consegue pronunciar o meu nome e nem vos vou dizer quais são os nomes dos meus alunos congoleses, porque não faço a mínima ideia como se escrevem ou pronunciam, a não ser alguns que são franceses. A primeira regra que nos ensinaram nas aulas foi: “Só podem falar em inglês.” Por isso, não tinha sequer hipótese de lhes tentar explicar o que quer que fosse em francês.

Na última fila, ficaram sentados os meus outros colegas da turma e os professores, que durante 40 minutos, observaram a minha performance enquanto tiravam notas.

Olhei para os olhos enormes da rapariga vestida com trajes africanos sentada na fila da frente. Parecia totalmente perdida. Será que estava a perceber aquilo que eu estava para ali a explicar?

Achei que era melhor não olhar muito para ela porque estava a ter aquele nervoso miudinho, que era frequente nos tempos em que tinha de fazer directos para a Sic-Notícias. Mas isso já foi há tanto tempo! Com a idade parece que é cada vez mais difícil sermos posto à prova. Já bastaram os anos de humilhações nos estágios, as constantes readaptações a novos empregos, que nos obrigam a ter de recomeçar tudo de novo e mexem com as nossas inseguranças e fragilidades.

Lembro-me de acabar um dos meus primeiros directos em televisão com uma vontade enorme de chorar. Fechei-me na casa de banho e chorei baba e ranho. Tinha a sensação de ter dito as maiores barbaridades no ar para milhares de espectadores ou talvez milhões. Enquanto falava o meu olho tremia, a voz falhava, porque sentia um nó no pescoço, os músculos da cara estavam presos numa única expressão facial.

Sim, era a expressão de pânico. Sentia dores de barriga e quase não conseguia articular uma frase em português. Apesar dos meus desastrosos directos na televisão, que felizmente para mim e para os telespectadores já lá vão... esses tempos foram fundamentais em termos de crescimento e de aprendizagem, e anos depois percebo como me prepararam para tantas outras etapas que foram aparecendo na minha vida.

Os 40 minutos voaram e com a ajuda de várias fotos do Ronaldo, do Barack Obama, da Oprah, do Michael Jackson e do Brad Pritt que estrategicamente foram colocadas nas paredes da sala de aula, os meus alunos divertiram-se, fizeram um jogo, aprenderam novas palavras e já sabem distinguir a diferença entre as acções futuras “I am going to do something this weekend” e “I will do something this weekend”.

Tive uma boa avaliação na minha primeira aula e os fins-de-semana que se seguiram foram enriquecedores e muito divertidos.
Os meus alunos são todos quadros superiores, a maioria são médicos, enfermeiros, engenheiros e advogados. Falam inglês, são muito curiosos e muito religiosos.

Na primeira aula pedi-lhes para me dizerem o que mais gostavam na África do sul. O Michel, fisioterapeuta, respondeu-me que o que mais gostava eram as estradas sem buracos, mas a maioria gosta mesmo é da comida e da variedade de produtos no que encontra nos supermercados.

Um dia pedi-lhes que me falassem do seu objecto preferido e disse-lhes que se o tivessem ali para me mostrarem. Um deles respondeu-me que o seu objecto preferido era o dinheiro, porque com isso podia fazer tudo o que lhe apetecesse.

Confesso que nunca pensei que as aulas requeressem tanta preparação e passei a ter um respeito pela classe de professores, em especial pela minha tia Noélia, professora de geografia. É claro que eu e os meus colegas estamos ser avaliados e tentamos levar para a aula todo o tipo de ferramentas, materiais e jogos para termos uma boa avaliação e para que os alunos não percam a atenção por um único momento. O objectivo é ensinar mas tornar as aulas divertidas e cheias de ritmo e fazer com que os alunos comuniquem.

Tento ignorar os Professoes sentados ao fundo da sala que controlam todos os meus movimentos, tudo aquilo que digo e escrevo no quadro, até a cor do giz que uso, a forma como sublinho uma sílaba, como pronuncio uma palavra, como me aproximo dos alunos, os materiais visuais que utilizo, a mímica, os exercícios que entrego aos alunos, a estrutura da lição, a gestão da turma e do tempo de aula, o contacto visual que estabeleço com os alunos, a forma como dou instruções e como consigo quebrar a tensão e pô-los a comunicar. Tudo é avaliado até ao mais ínfimo pormenor.

Não tinha ideia que fosse assim. É preciso mesmo gostar de ensinar para investir tanto tempo e trabalho na preparação das aulas para conseguir criar uma atmosfera agradável e relaxante. Tenho a sorte de os meus alunos se terem identificado comigo e, neste caso, até acabou por ajudar o facto de ser estrangeira. Encontrei uma das minhas alunas na casa de banho que me disse: “Acha que um dia vou conseguir falar tão bem inglês como a Professora?”. "É claro que sim", respondi.
A partir deste momento, percebi que tinha ali uns fiéis aliados.

De volta à escola


Paro junto à cancela e um guarda sai do cubículo de vidro. Olha para o carro, aponta num papel a matrícula e pergunta-me para onde vou. Digo-lhe que vou para o departamento de línguas. Ele dá-me um cartão e levanta a cancela.

Entro no gigantesco campus universitário da Wits, uma das maiores universidades sul-africanas, sem dúvida a maior universidade onde alguma vez estive, talvez apenas comparável à de Moscovo que visitei quando o João vivia na Rússia. À entrada painéis electrónicos divulgam informação sobre conferências, colóquios, teatros, festivais de dança que estão a decorrer na Universidade.

Chama-me a atenção aquilo a que já devia estar habituada. Todas as portas das salas dos professores têm grades, tal como grande parte das lojas em Joanesburgo. Todas as salas de aula têm um aviso pendurado na parede a informar os alunos que não se responsabilizam por nada do que lhes possa acontecer ou por algo que lhes possa ser roubado nas instalações. Há um número de telefone da segurança para onde podemos ligar se acontecer alguma coisa. Será que conseguimos ligar a alguém se nos apontarem uma arma? O espaço não é convidativo. Não estou à vontade e só me lembro dos tiroteios nas escolas americanas, em particular o tiroteio em Columbine, retratado no documentário do Michael Moore.

Enquanto aguardo o início do ano académico na África do Sul (que só começa em Janeiro. Não se esqueçam que estamos num outro hemisfério) para fazer um mestrado, decidi inscrever-me num curso avançado de inglês para melhorar o meu nível de inglês e obter um diploma.

Tenho de agradecer aos meus queridos pais, o facto de terem tido a brilhante ideia de inscreverem as filhas na escola inglesa “Elizabeth School”, e de ter tido o privilégio de aprender uma segunda língua, logo aos 3 anos de idade.

Quando tinha 9 anos, os meus pais decidiram que era uma boa ideia eu aprender mais uma língua e inscreveram-me na escola alemã de Lisboa. Julgo que foi este contacto precoce com outras línguas e com pessoas de outros países que me aguçaram, desde muito cedo, a vontade de sair do país e viver no estrangeiro. Andei a saltitar por vários países e tive a sorte de os meus pais terem apoiado estas minhas aventuras, mesmo que nem sempre tenha sido fácil ficarem longe de mim e eu deles.

A minha irmã, que seguiu o mesmo percurso, não foi viver e estudar para fora como eu, mas curiosamente trabalha como assistente de bordo da TAP e passa mais tempo no estrangeiro do que em Portugal. Na realidade os meus pais também não podiam queixar-se muito das nossas saídas constantes, porque afinal foram eles os responsáveis por nos estimularem o gosto por ambientes multiculturais.

Apesar de ter estudado inglês desde pequena numa escola britânica e de ter vivido vários anos fora de Portugal, nunca tinha feito um curso de inglês avançado. Por isso, achei que valia a pena aproveitar a oportunidade de estar num país de língua inglesa e fazer o curso uma vez por todas.

Quando fui ao departamento de línguas da Universidade Wits, vi um anúncio que dizia “Quer dar aulas de inglês em qualquer parte do mundo? Tire um curso que lhe dá um certificado de inglês internacional e dê aulas no estrangeiro”. Pensei porque não? Faço um dois em um: melhoro o meu nível de inglês, ganho o certificado exigido para tirar o mestrado e aprendo a dar aulas, algo que sempre gostei de fazer.

Fiz os exames escritos e orais para saber se o meu inglês era suficiente bom para fazer este curso e fui seleccionada. Quando cheguei à sala de aulas para ter a primeira aula, percebi que eu era a única estrangeira no curso e que os outros eram ingleses ou sul-africanos, cuja língua mãe era o inglês. Achei estranho não haver estrangeiros e pensei que talvez tivesse ido parar à turma errada. Afinal uma coisa é falar bem inglês outra coisa é ser um “native- speaker”.

Não quero fingir ser modesta. Sei que tenho um bom nível de inglês, mas tenho pronúncia e faço erros gramaticais. Decidi falar com o professor e expliquei-lhe que devia ter havido um erro. Ele insistiu que não tinha havido erro nenhum e que aquela era mesmo a minha turma. Sentia-me o elo mais fraco da turma e percebi de imediato que tinha de me esforçar mais que os outros... o que pode ser muito estimulante ou desencorajador.

Na minha primeira aula sentei-me ao lado da Kim, uma artista plástica hipocondríaca que faz duas de mim. Jurei que iria fazer tudo para não me voltar a sentar ao lado dela. A Sra não se calava por um segundo e eu tinha dificuldade em concentrar-me naquilo que o professor estava a dizer.

“Ai meu Deus estou com a vista enublada!!!” – disse a Kim ofegante. “Deve ser dos medicamentos que tomo para a tensão arterial”. Olhei para ela com uma expressão preocupada. Perguntei se precisava de alguma coisa. Se calhar quer que eu lhe dite o que está escrito no quadro, pensei. A Kim continuou: “Sabes nunca uso maquilhagem, nem tenho grandes preocupações estéticas com o meu corpo. Até por razões financeiras, estás a ver? Mas ponho sempre um creme à volta dos olhos. É algo que não abdico.Talvez seja por isso que estou a ver mal. Aliás tenho uma pele estupenda, não achas?”
“Sim de facto, tens uma pele óptima”, respondi meio atrapalhada. Não havia de facto nada mais interessante para falar do que a pele da Kim. Cada vez que tínhamos de fazer um exercício em conjunto e tínhamos de falar para o resto da turma, olhava para mim e dizia:” Fala tu Médéline.”

O raio da mulher e mais os seus problemas de saúde! Desculpem-me a insensibilidade. Mas de facto era só o que me faltava, ficar sentada ao pé desta fala-barato, para me deixar ainda mais insegura. Mais tarde percebi que a Kim já tinha chumbado no curso e que estava a repetir as aulas. Portanto, nada melhor do que “lixar” a colega de carteira estrangeira, que se sente ainda mais insegura do que ela.

Para ajudar à festa, fizemos um jogo com uns dados em que tínhamos de descrever experiências pessoais. Calhou-me o pior tópico que estava escrito no quadro: descrever em voz alta a toda a turma o momento mais embaraçoso da minha vida. Bestial, pensei. Como se tudo aquilo não fosse já suficientemente embaraçoso. Confesso-vos que já nem sei o que descrevi. O pânico tem destas coisas. Deve ter sido qualquer episódio ao estilo da Bridget Jones. Afinal, não é por acaso que a minha amiga e colega Lúcia me chama a pimentinha.

A meio da aula, apareceu uma réplica humana da Charlize Theron que deixaria os homens portugueses em estado de ebulição. Pediu desculpa pelo atraso e deixou um rasto de perfume pela sala. Além da rapariga africânder ser alta loura e muito vistosa, estava maquilhada como se fosse apresentar um desfile de moda. Só mais tarde é que me disse que era manequim e que vinha para as aulas directamente das sessões fotográficas. Portanto, imaginem o estoiro desta mulher monumental!

Num canto da sala, uma mulher de 50 e poucos anos escrevia silenciosamente no computador. É a Janine, jornalista de televisão, que recentemente ficou desempregada. Tal como a maioria dos meus colegas que estão a fazer este curso, a Janine está à espera de uma oportunidade para sair da África do sul e emigrar para um país onde possa trabalhar como Professora de inglês. Aliás, ao longo dos últimos dois meses, percebi que é por isso mesmo que todos os meus colegas, sem excepção, estão a fazer o curso TESOL (Teachers of English for Students of other Languages.

A manequim africânder quer ir para a Nova Zelândia, o cinquentão Allistair quer ir para a China, a Linda, uma londrina muito simpática, também quer aventurar-se na Ásia, a Giorgina, que já dá aulas há vários anos, quer emigrar para o Japão. Há outros que querem ir viver para a Austrália, Estados Unidos e Canadá.

Eu mudei-me para a África do Sul e eles querem fugir daqui para fora! Mas porquê? A resposta é muito simples: é cada vez mais difícil arranjarem emprego no país e o medo da criminalidade. A população branca continua a deter a maioria da riqueza do país mas receia a violência e o crime. Com mais de 50 mortes diárias, a África do sul tem uma das mais elevadas taxas de homicídio per capita em todo o mundo.
Mesmo com todos os preparativos para o primeiro campeonato mundial de futebol em África? SIM. A recessão económica e o novo governo do Presidente Jacob Zuma, que preconiza o “Black empowerment”, vieram agravar as coisas.

Ah é verdade, esqueci-me de vos dizer: Todos os meus colegas são brancos e para eles a vida na África do Sul é cada vez mais difícil. Em primeiro lugar porque o desemprego aumentou bastante com a recessão económica, em segundo lugar porque as empresas sul-africanas são obrigadas a dar prioridade aos negros, mesmo se estes não tiverem as mesmas qualificações que um candidato branco. Situação que acontece frequentemente, já que os negros neste país foram privados do acesso à educação durante décadas.

14 anos depois do final do apartheid, a África do sul continua a assistir a uma fuga maciça de cérebros e quadros superiores qualificados.

O país tem falta de engenheiros, médicos, enfermeiros e economistas. No entanto, o desemprego da população branca aumentou 100% desde o final do apartheid, e mantem-se na taxa dos 8 %. Por outro lado, o desemprego na população negra encontra-se à volta dos 50%! Os brancos entre os 20 e 35 anos são o grupo mais susceptível à emigração.O governo sul-africano não tem disponíveis estatísticas actualizadas sobre a emigração mas segundo um relatório divulgado recentemente pelo Instituto de relações raciais sul-africano, um total de 800 mil sul-africanos brancos dos 4 milhões (população branca) saíram do país desde 1995. Interessante também é ver os números relativos ao acesso ao ensino superior da população negra. Nos últimos 12 anos, o número de negros que saíram das universidades aumentou de 361.000 para 1.4 milhões por ano!

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Get up and dance!


“CAPOEIRA, bi…bi..…birimbau…...bi—bi-birimbau…. CAPOEIRA …ttccccchhhhh….tttccchhhh, bum, bum,mmmmm…”

“Fell the music, feel the rhythm, move your body. Imagine you are touching the sky, use your arms and your hands. Try to grab the stars in the sky.”

Oiço a voz suave da professora. Fecho os olhos e começo a vaguear pela sala, sem orientação, sem pensar. Movo o corpo, as pernas os braços, serpenteio-me, mexo músculos que nem sequer sabia que existiam. Sinto a música a entrar no corpo e na mente. Estou completamente entregue ao espaço. Sinto-me bem. Não penso em nada. É como se tivesse 10 anos, e estivesse em casa a dançar sozinha com os headphones na cabeça e a girar o corpo e a cabeça ao ritmo da música.

Abro os olhos e vejo as minhas colegas da aula de dança. Umas têm a minha idade, outras são um bocadinho mais velhas. Outras estão na casa dos 50, 60, 70 e duas têm 80 anos. As de 80 parecem ter 60. Estou impressionada com aqueles corpos e aquela resistência surpreendente!

Lá vão elas a saltar, agarram as estrelas, esticam os braços no ar ao som do birimbau e do ritmo brasileiro. Observando-as atentamente, seria capaz de jurar que não existem quaisquer sinais ou suspeitas de artroses ou osteoporose nos corpos destas mulheres. É mesmo incrível!

Aguentam a aula até ao fim e até fazem a penosa sessão de abdominais. Sinto-me velha. Quem me dera ter esta resistência! As minhas colegas da aula de dança não são dondocas. São professoras na universidade da terceira idade. A Liz tem 80 anos, é escritora e professora de literatura inglesa. Diz-me que antes da aula de dança, fez uma sessão de Tai-chi. Meu Deus sinto-me um caco humano!

Acreditem que a mulher é impressionante. Tem uma cara muito bonita e uma pele invejável, especialmente para quem já tem 80 anos!

A amiga que vem com ela é professora de expressão artística na universidade. Parece uma estrela de Hollywood. Tem uma franja e o cabelo pintado de louro platinado. Os olhos azuis brilhantes impecavelmente pintados saltam à vista. Os lábios pintados de baton vermelho. Quando lhe digo que sou portuguesa, diz-me que adora Lisboa e que organiza viagens com os seus alunos da universidade da terceira idade às principais capitais europeias para conhecerem museus, galerias e a arte europeia. “O ano passado fomos ao Egipto e este ano fomos a Amesterdão ao Museu van Gogh e ao Rijksmuseum conhecer a arte flamenga. Eles gostaram muito!” – diz-me a sorrir.

Elas são tão incríveis, que não dá para acreditar que sejam reais. Não têm sequer ideia da admiração e inveja que eu, a professora de dança e as outras alunas sentimos. Todas nós queremos um dia ser como elas. Envelhecer assim é um prazer!
Ai se elas soubessem como as invejamos! Se um dia eu conseguir chegar aos 80 anos quero ser assim!

Quem me conhece há muito tempo, sabe que adoro cantar, pular e dançar. Alguns amigos de infância lembram-se bem dos shows de dança absolutamente intragáveis que tinham de aguentar nas festas de natal e de fim de ano em casa dos meus pais.

Desculpem Mãe e Pai! Pobres coitados tinham de passar pela vergonha de ter a filha vestida de maillot no meio da sala, com um tijolo a tocar uma música gravada da rádio aos altos berros. Aparecia aos saltos, descalça, com sapatilhas ou sapatos de saltos altos da minha mãe, a cara cheia de blush e os olhos com sombras brilhantes da caixa de maquilhagem da mãe.

A coreografia era da minha autoria. Assim, já podem imaginar o cenário decadente e ridículo! Não querendo estimular demasiado esta loucura absolutamente pindérica da filha, mas cedendo às minhas exigências, a minha mãe lá me inscreveu em aulas de ballet e mais uma vez teve de aguentar os meus saraus e espectáculos.

Depois os anos foram passando e a dança foi ficando pelo caminho. Acabei por optar pelo ténis. Pelo menos não fazia figuras tão tristes. Ainda andei uns tempos na dança jazz e tornei-me uma fã incondicional dos musicais da Broadway.

Já sei que muitos dos meus amigos acham os musicais pirosos, mas eu adoro e durante o ano que vivi em Nova Iorque só não aproveitei tudo o que a Broadway tinha para oferecer, porque o dinheiro da minha bolsa de estudo ia quase todo para a renda da casa.

Como vos disse na última crónica, dedicada especialmente aos meus amigos desempregados, uma das coisas mais fantásticas de recomeçar a vida noutro local ou de um momento para o outro ficar sem nada para fazer, é ter a oportunidade de experimentar coisas novas porque há tempo e disponibilidade para poder fazer aquilo que nos apetece, ou melhor, quase tudo aquilo que nos apetece, mesmo se for algo que pareça absurdo. Não temos de dar explicações a ninguém e ninguém nos conhece.


A dança NIA foi uma das coisas que apareceu assim, caída do céu, sem mais nem menos. Alguns meses depois de aqui chegar deparei-me com um anúncio num café onde costumo ir, que dizia DANCE FOR YOUR LIFE. O anúncio basicamente convidava pessoas de qualquer idade a experimentarem qualquer tipo de dança, mesmo se não estivessem em excelente forma física.

Havia um rol de danças à escolha: tango, salsa e vários tipos de dança de salão, que estão em voga em todo o mundo com os reality-shows. Depois havia algo chamado dança de estilo livre para musicais. “Nem mais!” – pensei eu. Isto parece ser a minha cara. Dificilmente conseguiria convencer o João a ser o meu par numa aula dança de salão, por isso achei que devia experimentar inscrever-me nas aulas de dança em que pudesse ir sozinha.

De certeza, que já vos deve ter acontecido descobrir uma coisa e de repente aparecerem à nossa volta vários sinais que nos indicam o caminho. Lá estava eu na sala de espera de um consultório médico a folhear uma revista, enquanto o Tiago dormia no carrinho.

De repente, fico presa a um artigo escrito por uma realizadora de cinema publicitário sul-africana. Dizia que tinha descoberto a dança aos 40 anos e que a dança tinha mudado a sua vida. Falava de um novo estilo de dança chamado NIA, que tinha chegado à África do Sul. Uma mistura de artes marciais com dança jazz, yoga, dança moderna, tai chi e umas pitadas de outros estilos.

A realizadora vive na Cidade do Cabo e explica que acorda cedo, abre a janela, vê o mar (uma pena que aqui estejamos tão longe do mar) e começa a dançar antes de ir trabalhar.

Descreve uma energia incrível, movimentos suaves que ajudam a postura e a sensação agradável que, por vezes, se vai perdendo com a idade, de nos sentirmos bem dentro do nosso corpo. Fiquei vidrada na descrição extremamente bem escrita e quis saber mais. Procurei informação na internet e descobri um "spot" aqui ao pé de casa onde ensinam esta dança.

Fui experimentar uma aula. Adorei! Não há passos errados, ninguém se sente ridículo, é para todas as idades, é uma explosão de energia com músicas de todo o mundo.

Observo as minhas companheiras da aula de dança. São mulheres maravilhosas que balançam ao som do birimbau. “Mãããeeeeeee, quando for grande quero ser assim!”

terça-feira, 18 de agosto de 2009

A criatividade da crise


Em especial para os meus amigos desempregados…

Alguns dos jornais ingleses, sul-africanos e americanos criaram uma espécie de secção exclusivamente dedicada à recessão económica mundial. A leitura acaba por tornar-se deprimente e enfadonha com as inúmeras notícias de despedimentos, empresas que fecham, bolsas em estado caótico com descidas abruptas e fotografias de tipos com uma expressão de desespero estampada no jornal, casas que incrivelmente se vendem ao preço de um quilo de laranjas, o contínuo aumento do preço do petróleo, a desvalorização do euro,da libra e do dólar e de todas as moedas com nomes que reconhecemos.

Os temas tornam-se tão repetitivos e monótonos, que a única coisa que me salta à vista, são as histórias em que o ser humano, no meio do caos, parte à aventura em busca de inspiração ou simplesmente decide fazer aquilo que sempre sonhou, mas que nunca teve tempo para fazer. Por vezes, nem sequer teve tempo para descobrir o que seria aquilo que de facto gosta porque, durante anos a fio, esteve demasiado ocupado a preencher o seu tempo a trabalhar para uma empresa, a atingir objectivos e aos fins-de-semana, preso em obrigações e deveres familiares.

Talvez por não ter um emprego nesta fase da minha vida, identifico-me com todas estas pessoas que souberam extrair o melhor que as crises têm: a luta pela sobrevivência, a valorização daquilo que tínhamos e já não temos e, acima de tudo, encontrar e estimular a criatividade que as crises proporcionam.

Qualquer situação de mudança repentina na nossa vida dá-nos a volta à cabeça, obriga-nos a repensar muita coisa. Quando o mundo parece que se vai desabar mesmo debaixo dos nossos pés, e que vamos perder tudo, o ser humano consegue ter esta invejável capacidade de conseguir levantar-se e seguir em frente. Fascinam-me todas estas histórias de heróis aventureiros, que se reencontram e encontram a harmonia no meio do caos.

Não é de estranhar que, grande parte dos cientistas que fazem investigação nos grandes laboratórios americanos sejam provenientes de países pobres, como a Índia ou países de leste, onde os recursos, por vezes, são tão escassos que, a única forma de trabalhar é ser criativo e inventar tudo o que seja possível. No meio deste aparente vazio pode surgir surpreendentemente uma descoberta fantástica!
Porque é que eu adoro o artesanato cubano e africano? Porque acho surpreendente a forma criativa como a partir do lixo se consegue construir uma obra de arte, um objecto decorativo, uma peça prática ou até um brinquedo engraçado.

Tenho alguns amigos que vivem em Portugal e no estrangeiro que de um momento para o outro perderam o emprego. Alguns estão a atravessar momentos difíceis. Uns têm filhos pequenos, casas e carros para pagar, ou têm 50 e tal anos e receiam que ninguém os volte a empregar. Sentem-se perdidos e não vêem uma réstia de esperança na linha do horizonte. É especialmente a eles que dedico esta crónica.

As coisas boas não aparecem se não nos esforçarmos para estar bem e há milhares de coisas que podemos fazer, mesmo quando o mundo à nossa volta parece estar a desabar. Se não fizermos isso, garanto-vos que damos em doidos ou ficamos bem deprimidos! Nesta fase da minha vida, em que apenas tenho o Tiago e o João e tudo aquilo que está disponível à minha volta, identifico-me com as histórias de todos os desempregados que aparecem nos jornais e que conseguiram vencer as adversidades, e aprender a viver sem deadlines e sem uma rotina rígida, encontrando a harmonia , saboreando a vida e a calma (por vezes na vida stressante que a maioria de nós leva, esquecemos que ela existe) e extraindo a criatividade que a crise nos proporciona.

Leio histórias de pessoas que nunca pegaram num livro e que depois de descobrirem a leitura, ficaram viciados. Outros que pela primeira vez na vida, tiveram tempo e paciência para levar o filho a um museu ou ao jardim zoológico e outros que começaram a cozinhar ou decidiram fazer um curso de bricolage, ou de dança , como é o meu caso.

A todos os meus queridos amigos, que estão a passar por esta situação, aproveitem para saborear o tempo livre para pensar naquilo que querem mesmo fazer. Talvez, em breve voltem a trabalhar novamente num ambiente com stress e deadlines e sintam faltam desta pequena pausa que a vida vos proporcionou.

Sei bem que o início é duro, e que apesar de toda a gente nos dizer “Que sorte pá! Agora é que tens uma vida do caraças!” , a verdade é que não nos sentimos assim tão bem, e a vida parece tudo menos estimulante.

Temos saudades da nossa rotina, do nosso emprego, dos nossos colegas, e de ter uma profissão, uma ocupação….E nessa altura, passávamos a vida a queixar-nos! E agora, faz-nos tanta falta!Quantas vezes estou em casa a tratar do Tiago e a arrumar e a desarrumar coisas e penso em como era mais fácil estar a trabalhar num escritório. Mas quando estava a trabalhar na TAP, não era isso que eu sentia.

As preocupações lançam um nevoeiro espesso que nos impede de pensar claramente e de relaxar. Mas depois da fase da desintoxicação de um corpo habituado à adrenalina do trabalho e das obrigações, começamos a conseguir criar uma nova rotina e a cabeça vai ficando cada vez mais leve e livre, com espaço para pensar naquilo que queremos fazer e começamos a saborear o tempo livre.

Aprendemos a apreciar o que temos e vimos, que afinal, não era assim tão pouco ou tão mau como nos parecia no início. Sei que para muitos isto parecerá uma descrição bastante romântica e simplista, mas sei que outros sabem bem daquilo que estou a falar. Quanto ao que eu tenho feito para encontrar essa satisfação e extrair a criatividade da crise, guardo para uma próxima história.

Um beijo a todos com saudades
Madalena

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Parabéns Madiba!



No dia 18 de Julho, a cidade de Joanesburgo entrou em euforia. Nelson Mandela fez 91 anos e os sul-africanos dançaram, cantaram, gritaram e, dedicaram 67 minutos do seu dia, a fazer uma boa acção para celebrar o aniversário de Madiba, o nome carinhoso que lhe chamam e que é também o nome de um famoso chefe do clã Tembu, ao qual Mandela e os seus antepassados pertencem.

Os 67 minutos dedicados a fazer uma boa acção pelo bem da humanidade e do planeta, simbolizaram os 67 anos que Mandela dedicou à luta pela democracia. A iniciativa foi lançada pela Fundação Mandela que espalhou anúncios e posters por todo o país a incentivar toda a gente a comemorar o Dia Mandela, fazendo algo de bom.

Nas favelas e bairros de lata de Joanesburgo foram plantadas 67 árvores. A última foi plantada no bairro do Soweto, onde Nelson Mandela viveu com a ex-mulher Winnie e os seus filhos nos tempos da resistência, e que hoje pode ser visitada pelos turistas.

Por todo o país, milhares de pessoas distribuíram roupa e comida aos mais pobres, leram livros aos cegos, ofereceram cobertores aos sem-abrigo (lembrem-se que aqui é inverno e está muito frio!), plantaram árvores, pintaram escolas e remodelaram casas de crianças orfãs, vítimas do HIV.

Achei que no minímo, também eu teria de prestar uma homenagem ao “grande líder Madiba” e escrever umas linhas sobre este Homem admirável, que se transformou numa das figuras mais respeitadas do mundo e uma referência para todos aqueles que acreditam na democracia.

Há uns tempos, uma amiga minha disse-me que,”Mandela é um daqueles seres humanos, cuja simples existência permite que este país consiga viver em harmonia.” Muito se especula sobre o que acontecerá à África do Sul depois da morte de Mandela.

Hoje, o maior activista do movimento anti-apartheid já não dá entrevistas aos jornalistas e as televisões e agências noticiosas têm casas alugadas em locais estratégicos da cidade para fazerem uma completa cobertura noticiosa no dia da sua morte. Eu sei que parece mórbido, mas este pormenor revela a importância mundial que a figura de Mandela tem. Sinceramente, não faço ideia do que acontecerá a este país na era pós-Mandela. O que sei é que depois de Mandela a África e o mundo mudaram. E hoje dificilmente, conseguimos imaginar um presidente branco a comandar os destinos da África do Sul. Pelo menos, duvido muito que isso possa acontecer nos próximos anos.

Não me recordo de nenhum outro homem que tenha o privilégio de ter pessoas em todo o mundo a cantar-lhe os parabéns. Este ano Aretha Franklin, Steve Wonder, Cyndi Lauper, Morgan Freeman, Alicia Keys e até Carla Bruni cantaram os parabéns a Nelson Mandela. Todos os anos, o dinheiro dos concertos dedicados a Mandela no seu aniversário, reverte a favor das vítimas de HIV, uma das grandes batalhas da Fundação Mandela, num país, onde a sida atinge, segundo os dados do ano passado, 5,2 milhões de pessoas. Barack Obama também não quis deixar de felicitar um dos seus maiores ídolos, enviando uma mensagem que deu a volta ao mundo.

Foi em 1918, no seio da tribo Madiba, na região de Transkei, a sul do país, que Nelson Mandela nasceu. Transkei, a sua terra natal, não podia deixar de vir a representar um importante marco na história da luta contra o apartheid, tendo sido o primeiro dos quatro territórios a proclamar a sua independência em 1976. Apesar de esta nunca ter sido reconhecida internacionalmente. Em 1994, Transkei foi reintegrado na província de Eastern Cape.

O regime do apartheid durou 41 anos. Mandela esteve preso durante 27 anos, depois de ter sido condenado a prisão perpétua por crimes de traição e sabotagem. Grande parte desses anos foram passados na prisão de Robben Island, na Cidade do Cabo.
Foi libertado no dia 11 de Fevereiro de 1990. Tinha então 71 anos e ainda hoje tenho nítida a imagem emocionante de Mandela, com o seu ar sereno e olhos sorridentes a acenar para a multidão que o recebia.

Depois da sua libertação, Nelson Mandela dedicou-se à reconciliação e negociação para alcançar uma democracia multi-racial na África do sul. Recebeu mais de uma centena de prémios de todas as partes do mundo. O mais importante reconhecimento foi a atribuição do Prémio Nobel da Paz em 1993, juntamente com o então presidente sul-africano Frederik Willem de Klerk, o último presidente da era apartheid.
Em 1991, na primeira conferência nacional que o ANC (Congresso Nacional Africano), celebrou legalmente na África do Sul (a organização tinha sido banida em 1960), Mandela foi eleito presidente do ANC.

Em 1994, foi eleito democraticamente o primeiro Presidente negro da África do Sul. Quando terminou o seu mandato em 1999, criou a fundação Mandela que se dedica a causas como a luta contra sida, no país mais afectado pelo HIV em todo o mundo, o combate à pobreza e a defesa dos direitos das crianças.

Na praça Mary Fitzgerald, uma das mais importantes de Joanesburgo, dezenas de artistas de vários países africanos animaram centenas de pessoas que se reuniram ali para cantar os parabéns ao seu querido Madiba.

Mandela agradeceu. Numa mensagem filmada em sua casa, lembrou a todos os sul-africanos que “está nas nossas mãos criar um mundo melhor para todos os que nele vivem. A nossa luta pela liberdade e justiça foi um esforço colectivo. O Dia Mandela não é diferente.”
Parabéns Madiba!

Bibliografia recomendada
By Mandela
Mandela, Nelson. Nelson Mandela Speaks: Forging a Democratic, Nonracial South Africa. New York: Pathfinder, 1993.

Mandela, Nelson. Long Walk to Freedom. The Autobiography of Nelson Mandela. Boston & New York: Little Brown, 1994.

Mandela, Nelson. The Struggle Is My Life. New York: Revised, Pathfinder, 1986. Originally published as a tribute on his 60th birthday in 1978. Speeches, writings, historical accounts, contributions by fellow prisoners.

Outros
Benson, Mary. Nelson Mandela, the Man and the Movement. Harmondsworth: Penguin, 1994. Updated from 1986 edition. Based on interviews by a friend of Mandela since the 1950s.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

de volta a Joburg

Queridos amigos,

Depois de umas revigorantes férias no solarengo Portugal, estamos de volta a Joburg. Tivemos de repartir as nossas férias entre o Alentejo, onde tomámos uns belos banhos de mar e de sol, Santarém onde estreámos a piscina da mãe do João e deliciosos almoços e jantares em Lisboa com a família,onde matámos as saudades da comidinha portuguesa.Infelizmente, o tempo foi curto e voou rápido, como voa sempre que estamos de férias, e não nos foi possível estar com todos os amigos. Esperamos que estejam todos bem e que as vossas férias sejam tão boas como as nossas.

Foi um choque aterrar no gelado inverno de Joanesburgo, onde as temperaturas variam entre os graus negativos de manhã e sobem ao longo dia até aos 13 graus, voltando a descer abruptamente, a partir das 5 da tarde, quando cai a noite.
Choque ainda maior foi não ter água quente em casa porque a nossa caldeira avariou-se com o frio e tivemos infiltrações em várias partes da casa. Passámos os últimos dias a tomar banhos com um alguidar e panelas de água quente.
A Mary ria-se de nós, porque não entende como é que tomar banho “à gato” pode ser um martírio para alguém. Apesar de lhe ter descrito as maravilhas do prazer de tomar um duche quente ou um banho de imersão, a nossa “lady boss” continua a preferir tomar banho com baldes e alguidares mesmo tendo um duche na pequena “cottage” , onde vive no nosso jardim. Foi assim que sempre fez e vai continuar a fazer. Diz que nem sequer pondera a hipótese de se pôr debaixo do duche.

De repente a nossa casa, encheu-se de homens que subiam e desciam as escadas com baldes cheios de água, esfregonas e panos ensopados. No meio de telefonemas para a companhia de seguros e para o proprietário da casa que vive na Tanzânia, baldes espalhados pela sala e pela casa de banho para apanhar a água que pingava dos tectos, canalizadores e electricistas que verficavam se alguma das ligações eléctricas tinha sido afectada, tentávamos encontrar todos os meandros por onde a maldita água se podia ter infiltrado. Finalmente hoje tomámos um demorado duche quente!

O Tiago tem andado excitadíssimo com esta azáfama e fala em português com toda a gente. Ao Justice, a quem chama algo parecido com “sushi”, ensina-lhe as palavras que aprendeu nas férias com os avós e os primos e mostra-lhe os barcos, piratas e o Peter Pan que trouxe de Portugal. Passam as tardes a lutar com espadas de borracha entre os baldes e a confusão instalada na sala.Enquanto eu vou temendo pelo que ainda resta da minha sanidade mental.

Quero agradecer a roupa que alguns de vocês enviaram para a nossa lady Mary e para o Alex, jardineiro, de quem não temos tido novidades. Quando estávamos em Portugal ligou-nos a dizer que ía para o Zimbabué ter com a mulher que está doente. Não sabemos o que tem, apenas que estava com dores de cabeça muito fortes. Nem sequer sabemos quando regressa mas deixou-nos um telefone para onde temos tentado ligar na esperança de saber se está tudo bem com a mulher e a filha. De qualquer forma, as prendas que lhe enviaram estão cá à espera dele e nós também.

domingo, 14 de junho de 2009

O Fiel jardineiro


“Love them all, but don’t trust them”, diz-me a Paula, mulher negra sul-africana, residente no Soweto. “Eles vêm do Zimbabué para trabalhar e fazer dinheiro, não para fazer amigos. São muito simpáticos, mas a vida humana não tem o mesmo valor que tem para nós, entende? À primeira oportunidade matam-lhe o seu marido e o seu filho, se for preciso, para lhe assaltarem a casa.”- disse ela com os enormes olhos brilhantes e negros abertos.
Não estava à espera de ouvir tal coisa, e depois deste comentário da Paula, comecei instintiva e inevitavelmente a olhar para o Alex, o nosso jardineiro zimbabueano com outros olhos.

À quarta-feira, faça chuva ou faça sol, lá vem ele montado na sua bicicleta cor-de-rosa, depois de pedalar durante uma hora até nossa casa.
Chega sempre às 8 horas em ponto. Fiel à pontualidade britânica, assim como ao seu gosto pelo chá, que os ingleses tão bem conseguiram incutir aos povos de todas as antigas colónias. Gosto sempre de dizer que se não fosse a nossa Catarina de Bragança, o chá das 5 nunca seria um ex-libris da cultura britânica.
A primeira coisa que lhe ofereço ao pequeno-almoço, é uma chávena de chá quente com leite e muitas colheres de açúcar. Inicialmente punha apenas duas colheres, mas depois percebi, ao ver o açúcar desaparecer cada vez que enchia o frasco, que tinha de reforçar a dose. A Mary, também ela adepta de açúcar, confessou-me que ele tinha vergonha de me pedir, mas à primeira oportunidade ia ter com ela para lhe pedir mais açúcar no chá. Nós que raramente usamos açúcar, a não ser uma ou duas colheres no café, passámos a comprar pacotes de 2 kg de açúcar que duram umas semanas.

“Hé-llo, how - are - you?” – diz o Alex, mal me vê chegar ao portão. Com um sotaque muito carregado, pronuncia todas as sílabas e as vogais muito abertas. “How is “shimani” (pequeno rapaz em sotho)?”.
Sinto-me horrivelmente culpada, mas depois do comentário da Paula, o certo é que deixei de conseguir olhar para o pobre Alex da mesma maneira. Mesmo com o seu aspecto humilde e a sua impressionante educação britânica.

Depois de lhe fazer uma tosta bem apetrechada com várias fatias de queijo e fiambre, desligo a rede eléctrica da casa, não vá o homem morrer electrocutado enquanto arranja o jardim.

Tal como herdámos a Mary, que nos limpa a casa, também herdámos o Alex, quando alugámos a casa. Já cá trabalhava há 8 anos, e foi ele, juntamente com o proprietário da casa e um grupo de zimbabuenos, que reconstruiram a vivenda, que segundo a Mary estava em muito mau estado. “Está a ver a banheira, os azulejos, o lavatório da casa de banho. Fui eu que montei isto tudo. E também pintei a casa e pus o soalho de madeira”- diz-me com um ar orgulhoso. “Conheço esta casa como a palma das minhas mãos”- diz a sorrir, mostrando-me a palma da mão branca que contrasta com a pele muito negra. “Conhece a casa como a palma das mãos, o que quer ele dizer com isto?” –penso eu, apavorada. Mais uma vez aparecem os sentimentos de suspeita e paranóia. “Será que já está a planear o crime? Se calhar consegue entrar aqui dentro por algum esconderijo secreto que ele conhece, sem nos apercebermos de nada."
Lembro-me da história de um jornalista sueco que vivia em Melville, e que nos contou uma história incrível de ladrões que assaltavam as casas, atravessando as condutas de água, que estavam ligadas ao centro da cidade. Tento disfarçar os meus pensamentos horríveis e sorrio. “Muito bem Alex. Fez um belo trabalho. Esta casa está magnífica. Deve ter demorado muito tempo...Hoje gostava que arranjasse uma infiltração que temos ali no quarto, depois de tratar do jardim, está bem?”

O Alex tem 30 anos, deixou a mulher, professora de inglês e a filha de 5 anos e está desempregado. Vive em Yeoville, um dos bairros mais perigosos da cidade, e a partir das 7 da noite fecha-se no quarto alugado e ouve tiroteios.

Actualmente, com a vaga de desemprego que afecta a África do sul, e que ultrapassa os 20%, para além dos biscates que vai fazendo aqui e ali, o único trabalho fixo que tem é vir a nossa casa uma vez por semana, arranjar o jardim, limpar a piscina e pequenos arranjos de manutenção em nossa casa.

Tento imaginar a ninharia que o sul-africano, proprietário da casa, gastou nas obras da casa quase devoluta que comprou por tuta e meia num bairro, que foi ganhando popularidade, depois do fim do apartheid, quando os brancos fugiram do centro da cidade para escapar à violência e criminalidade e se instalaram nos bairros a norte da cidade, onde actualmente só vivem brancos. Tudo isto ainda se torna mais escandaloso, se pensar na quantia exorbitante que pagamos mensalmente pela renda desta vivenda....apesar de saber que nesta cidade, só é possível viver em bairros de pessoas ricas por causa da segurança.

“O homem passa fome. Já viste como ele é magro?” – diz a minha tia que veio passar umas férias connosco. A figura esguia e seca do Alex, os olhos grandes e brilhantes parecem saltar da cara magra com ossos salientes.
Para além das refeições que toma em nossa casa, passámos a comprar-lhe sacos de arroz, carne, feijão, bolachas e barras energéticas. Não é muito, mas pelo menos sentimos que estamos a contribuir um bocadinho para garantir a sobrevivência dele.

Com receio de que aquele peso de pluma, voe da bicicleta, eu e o João enchemos-lhe o prato de comida. Mas rapidamente percebemos que, por vezes, exagerávamos e que aquelas refeições pesadas, às quais não está seguramente habituado, resultavam numa lenta digestão que o deixava num estado de letargia. O João apanhou-o por diversas vezes encostado a um banco a dormir a sesta, depois de nos entregar o prato limpo, como se tivesse sido lavado na máquina de lavar.

A minha tia fez questão de trazer-lhe imensas prendas de Lisboa. Ofereceu-lhe roupa do meu avô e do meu pai, que lhe fica a nadar, e um relógio de pulso. O homem ficou comovido e os olhos encheram-se de lágrimas. “Thanks a billion”. Os zimbabueanos têm o hábito de dizer a million ou a billion nas circustâncias mais estranhas. Já pensei se isso não terá a ver com o facto de terem a inflação mais alta do mundo, graças ao governo do Sr. Mugabe, em que um nota de um bilião de dólares não vale absolutamente nada.

“Nunca conheci pessoas como vocês” -diz ele. Fiquei a sentir-me ainda pior, com os meus sentimentos de suspeita. “Pobre Alex. Como posso ser assim?”

O pontual e fiel jardineiro volta sempre, todas as semanas, montado na sua bicicleta cor-de-rosa, com o boné do Ministério da Saúde de Portugal, vestindo o pólo azul escuro do meu pai.

Tuga Land




Só quem já viveu no estrangeiro, fora da zona onde vivem as comunidades portuguesas, consegue entender o entusiasmo que é visitar o bairro dos “tugas”.
Há sempre um misto de uma atmosfera decadente, um ambiente cristalizado no tempo, de alguém que já partiu de Portugal há muitos anos, mas preservou intacta a imagem que tinha de um país que já mudou tanto desde então, e algo de muito genuíno que nos prende àquele espaço. Tudo se torna familiar, até o toque "bimbo" que está presente em muito do que nos rodeia. São as nossas referências culturais que ali estão e um pedacinho de nós...até no pudim boca doce de morango, que não resisti comprar, e que me trouxe o cheiro da casa da minha avó paterna, em Entrecampos.

Pela primeira vez fomos a Bedford View, no sul da cidade, onde vive uma boa parte da comunidade portuguesa. Visitámos mercearias, peixarias e pastelarias onde literalmente enfardámos pastéis de nata, queijadas e travesseiros. Depois desta bomba calórica, continuámos nesta euforia difícil de descrever, que os bairros portugueses nos despertam.

No supermercado parecíamos crianças, que vão pela primeira vez com os pais a um hipermercado, e querem levar tudo o que está à vista nas prateleiras. Enchemos o carrinho das compras com garrafas de azeite galo, latas de feijão, azeitona preta “Maçarico”, atum “Bom Petisco”, bacalhau, chouriço, presunto, morcela e tudo o que consigam imaginar. Estivemos quase, mesmo quase, a comprar um assador de chouriço em barro mas lá nos conseguimos controlar a tempo. Até que o João, que já não vai a Portugal há mais de 7 meses, perdeu o controlo da situação e comprou várias dúzias de pastéis de bacalhau, rissóis de camarão e croquetes.
À noite fizemos uma panela de feijoada com farinheira, chouriço, toucinho, morcela e tudo aquilo que faz mal à saúde, mas que adoramos na cozinha portuguesa. A feijoada durou vários dias e a Mary e o jardineiro Alex deliciaram-se com a iguaria portuguesa.

Já tínhamos ido a um famoso festival português, chamado “Lusito Land”, que se realiza todos os anos em Joanesburgo. A música dos Santa Maria, era interrompida pela voz de um ridículo Elvis com enormes patilhas e uma popa, que cantava “Love me tender” num palco, para uma audiência de miúdos sentados na relva.Foi uma desilusão mas deu para comer uma bifana de porco no pão que “soube a pato”!

Este ataque eufórico de consumismo e gulodice, fez-me lembrar as vezes em que apanhávamos o comboio de Manhattan para New Jersey e entrávamos no supermercado “Seabra's”. Com mochilas e sacos de compras a abarrotar, lá nos arrastávamos para a estação de comboios até ao nosso micro-apartamento no centro de Manhattan.

Como não podia deixar de ser, em Joanesburgo os portugueses são conhecidos pelo famoso “Portuguese roll”, o tradicional papo seco ou carcaça, que se encontra a venda nos melhores supermercados do país (Os portugueses continuam a ser os padeiros mais famosos do mundo). E ainda pelo frango assado com piri-piri e o prego no pão, que consta em quase todas as ementas de qualquer restaurante de Joanesburgo que se preze. Por tudo isto, só nos resta dizer: E viva à "Tuga Land"!

terça-feira, 9 de junho de 2009

Johannesburg Oyster Food and Wine Festival



Saboreamos o vinho das terras do Cabo, deitados na relva. Olhamos para os miúdos africânderes descalços (andam sempre descalços) a saltitar de um lado para o outro.

Sentimos o sol do outono sul-africano, uma espécie de verão de São Martinho constante, a bater-nos na cara. O vinho branco escorrega e mistura-se com o sabor a mar das ostras frescas, com limão e pimenta preta. Permanecemos ali, deitados durante um tempo indeterminado....

Um homem de cadeira de rodas passa por nós e levanta uma garrafa para nos fazer um brinde. “Cheers!”- grita ele. Levantamos o copo, que nos deram à entrada e preparamos-nos para mais uma deliciosa prova de vinhos nas tendinhas, espalhadas pelo recinto do segundo maior festival de Vinho e de Ostras da África do Sul. You wouldn't want to miss this!

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Afinal tinha sido mesmo ali ao lado...




Antes da nossa chegada a Joanesburgo, tinha uma série de imagens na cabeça, que eram fruto de impressões que nos foram relatadas por alguém que por aqui passou, pelo que tínhamos lido e pelas notícias absolutamente assustadoras, que eram tudo menos convidativas para emigrar para este país. A criminalidade, a violência, o racismo, o assassinato de emigrantes portugueses...Tudo isto fazia-me ter vontade de desistir de embarcar nesta aventura.

“Mas vão para Joanesburgo com o miúdo? Vocês são doidos! Aquilo é um campo de batalha. Perigosíssimo! Vocês sabem onde é que se vão meter? Ainda se fosse a Cidade do Cabo...É uma das cidades mais bonitas do mundo. Eu estive lá de férias!”. Este era o tipo de comentários que ouvia, antes de partir para a África do Sul, no final de Janeiro. Como muitos de vocês sabem, o João já se tinha apaixonado por África há muito tempo, eu limitava-me apenas às memórias que tinha das histórias que os meus pais me contavam, desde a minha infância, sobre a experiência que tiveram em 1974/75 quando viveram em Santo António do Zaire, Angola.

É sempre uma aventura mudar de país e a sensação de poder recomeçar tudo de novo é talvez a maior motivação para conseguir largar a família, os amigos, o emprego e partir para um sítio desconhecido, onde não conhecemos ninguém e onde não temos qualquer referência.

Há uma sede imensa que se apodera dos nossos sentidos e bebemos tudo o que aparece à nossa volta, temos uma energia incrível para fazer coisas novas, absorver os novos ambientes e uma enorme vontade de aprender. Mal cheguei, a primeira coisa que tive de aprender foi a interiorizar hábitos de segurança, porque sabia que ia viver numa cidade perigosa, onde a criminalidade continua a ser lamentavelmente, uma das mais altas do mundo, e num país que está no topo da lista do maior número de casos de HIV, em todo o mundo.

Era a primeira vez que viajávamos com o nosso filho, que estava prestes a fazer dois anos. E por todas estas razões, não era uma decisão fácil de tomar.

Uma das histórias que me perseguia tinha sido contada por uma amiga minha, que viveu uns meses em Moçambique e que, ao visitar a casa de um amigo em Joanesburgo, se deparou com um cenário de filme de suspense. O amigo dela vivia literalmente numa fortaleza, fechado a sete chaves, entre portas e portões de ferro, cadeados, alarmes, redes eléctricas e arame farpado à volta da casa. Antes de se deitar, fechava as dezenas de cadeados e um portão de ferro que tinha à frente da porta do quarto.


Tentei não entrar em pânico e levar isto tudo nas calmas, dentro do possível... mas receava ter de viver fechada num bunker e não poder circular livremente com o meu filho. Pensei várias vezes....será que estou a ser inconsciente? Será que vale mesmo a pena arriscar?

Felizmente, quando cheguei o João já tinha preparado o terreno e arranjou-nos uma casa num bairro seguro e simpático, onde há boas lojas e parques. À noite, os bares e restaurantes enchem-se de gente e durante o dia, as famílias passeiam tranquilamente. A paisagem tinha tudo menos o ar ameaçador o e clima de medo que eu até então imaginava.

Uma semana depois de aqui ter chegado, fomos a um almoço com vários jornalistas numa casa estupenda num dos muitos subúrbios a norte de Joanesburgo. À semelhança dos Estados Unidos, os subúrbios de Joanesburgo nada têm a ver com os subúrbios em Portugal, onde muitas vezes as pessoas vivem apinhadas em arranha-céus com vista para arranha céus, sem espaços verdes e onde a qualidade de vida deixa muito a desejar...sem falar nas horas que se perdem no trânsito absolutamente caótico.

À excepção dos enormes bairros de favelas que também fazem parte da paisagem da cidade, os subúrbios de Joanesburgo exibem belas vivendas com jardins, parques infantis e pequenos centros urbanos que foram crescendo de forma ordenada, para servirem os interesses dos moradores.

Mal chegámos a esta casa magnífica com um corte de ténis no jardim e um parque infantil, que até um trampolim gigante tinha para a crianças, reparei num símbolo colocado à entrada da casa com dois tigres de boca aberta e dentes ameaçadores. A tabuleta dizia “Mapogo a Mathamaga” e era obviamente o símbolo de uma das muitas empresas de segurança que existem neste país.

O dístico da empresa de segurança que contratámos diz apenas ADT - Armed Response – o que não deixou de surtir uma reacção de estranheza quando aqui cheguei...No entanto, não sei se os bandidos pensarão o mesmo.

Perguntei ao dono da casa, um jornalista escocês, que empresa era esta. Ele olhou para mim com um ar sério e disse baixinho: “São assassinos profissionais.” Fiquei em estado de choque, será que nós também tínhamos contratado assassinos profissionais e não sabíamos?? Explicou-me que os tipos da “Mapogo a Matamagha” trabalhavam no underground e que perseguiam os ladrões até obterem os objectos roubados e terminavam o serviço de forma eficiente. “Terminavam o serviço??? Será que ele queria dizer que “limpavam o sebo ” aos ladrões que tentassem assaltar a casa dele??

“No outro dia a minha mulher foi levar os nossos filhos à escola e quando olhou para o carro viu uns tipos a olharem para o autocolante no vidro traseiro ...sim porque nós também andamos com este símbolo no carro. Os tipos olharam para a minha mulher e apontaram para o dístico como quem diz: “Com estes tipos não se brinca!”, estás a ver.”

O João quis saber como era o aspecto dos indivíduos da "Mapogo a Mathamaga"e ele respondeu-lhe que falava sempre com um velhote castiço e simpático, com um ar perfeitamente inofensivo.

Quando nos despedimos, o escocês disse-me ainda: “Se estiveres a chegar a casa e perceberes que estás a ser seguida, dá uma volta e liga para o João, para a polícia ou para qualquer um de nós. Não saias do carro e tranca sempre as portas. Dá umas voltas ao bairro para despistares os tipos! Se o João não estiver liga-nos.” Acenei com a cabeça e agradeci.

Dias depois desta conversa, o Tiago agarrou no meu comando do alarme da casa e carregou no botão do “Panic Alarm”, aquele em que só se carrega em caso de emergência, quando o alarme dispara e há suspeitas de haver um intruso na nossa casa ou no nosso jardim. Minutos depois, apareceram dois indivíduos armados com metralhadoras e coletes à prova de bala, junto ao nosso portão.

Chovia a potes. Agarrei no miúdo ao colo e fui à porta.

“Is everything fine Madam?”- disse aquela figura imponente no meio de uma tempestade tropical. “Yes, everything is fine. It was my son”- respondi, apontado para o Tiago, que se ria e estava em pulgas para saltar para o colo do homem. “Im sorry. Thank you.”- virei as costas e o homem gritou “The code Madam!”.

“The code? What code?”- perguntei. “You have to give me the security code!”- respondeu o homem. “Sei lá da porcaria do code” – pensei eu. Lembrava-me lá dos quatro dígitos do código que o João me tinha obrigado a repetir vezes sem conta, logo na primeira noite em que cheguei a Joanesburgo, depois de uma viagem de 10 horas e meia. E ele que até tinha feito uma cábula e colocado num esconderijo que arranjou na casa, para eu nunca me esquecer se estivesse sozinha, em qualquer aflição e o alarme disparasse e não soubesse o que fazer, em que botões carregar, e a quem telefonar.Não me lembrava, eram tantas coisas novas, tantos botões e tantos números. Liguei ao João que resmungou do outro lado e lá me deu o número. Os homens armados, imóveis olhavam enquanto eu discutia com o João naquela língua estranha e lhe explicava que me tinha esquecido do código. E ele não entendia como era possível depois de tantos avisos, cábulas e recomendações que preparara antes da minha chegada.

Finalmente disse o código aos homens armados e ensopados. Eles desapareceram e nos últimos meses vieram outros com metralhadoras e coletes à prova de bala, porque o comando da ADT vai nadando dentro da minha mala e é pressionado acidentalmente sem que ninguém se aperceba. Além disso, tornou-se uma diversão para o Tiago (por mais que eu tente esconder o comando). Com estes acidentes, pelo menos ficámos a perceber que a empresa funciona.

Pouco passava da meia-noite quando acordámos ao som de tiros e de pássaros em pânico. Sobressaltados, fomos ver o que se estava a passar. Confesso que estava bastante assustada, e mesmo o João que já está habituado a ouvir tiros nas zonas perigosas por onde tem andado há vários anos, também ficou nervoso. Afinal tinha sido mesmo ali ao lado. Vários carros da empresa de segurança ADT, estavam estacionados à porta da nossa casa, e vários vizinhos estavam junto ao portão dos nossos vizinhos da frente, que tinham acabado de ser assaltados. O João foi lá para fora. Eu fiquei no jardim a tentar decifrar o que se estava a passar. O Tiago dormia profundamente.

Cinco homens armados entraram pelas traseiras da casa e amarraram os nossos vizinhos (4 gajos). Os assaltantes levaram os computadores, passaportes, telemóveis e tudo o que conseguiram carregar e fugiram. Um dos vizinhos conseguiu carregar no botão do “Panic alarm” do comando da ADT e quando os seguranças chegaram ao local, os assaltantes começaram a disparar e conseguiram e fugir pelas traseiras.

À excepção do Tiago, ninguém na nossa rua dormiu nessa noite. Os cães ladraram até de manhã e no dia seguinte, o João reuniu-se com os vizinhos da rua e ficou a saber que a vizinha do lado tem uma arma que nunca usou e nem sabe usar, assim como todos os pormenores do assalto e as recomendações dadas pela polícia. Como por exemplo, nunca olhar para a cara dos assaltantes, para que estes não sintam qualquer tipo de provocação, nem receio de serem reconhecidos.

A partir desse dia, muita coisa mudou cá em casa e perdemos algum do nosso entusiasmo. inicial. Não conseguíamos deixar de pensar que isto podia ter acontecido em nossa casa e como seria mais fácil assaltar um casal com uma criança, do que 4 homenzarrões! Os nossos vizinhos sul-africanos nunca tinham sido assaltados, mas como qualquer sul-africano sabem que hábitos de segurança devem ter e conhecem de perto a violência e o crime. Não tinham o alarme ligado, porque tal como nós, só o ligavam antes de irem para a cama. Um deles ainda estava a ver televisão quando reparou que alguém tinha entrado na sala.

Os nossos vizinhos não tinham uma rede eléctrica como nós temos a proteger a casa e os assaltantes saltaram o muro e conseguiram entrar em casa.

Mas mesmo com todos os cuidados com a segurança as coisas acontecem. Existe alguma maneira de prevenir o crime? Alarmes, cadeados, redes eléctricas, vidros fumados no carro, portas trancadas...será que isto é suficiente?

Será que vale a pena viver aqui? E se fosse connosco? O que faríamos? Decidimos que o melhor era falar com o velhote castiço da “Mapogo a Mathamaga”.